Do Pároco

Qualquer documento do Papa é sempre um motivo de alegria para os filhos da Igreja. Com maioria de razão, uma Encíclica. Deve suscitar em todos uma saudável curiosidade e, sobretudo, a vontade de perceber o que dirá Jesus a cada um de nós através das palavras do seu Vigário aqui na terra.

Tendo lido o documento apenas uma vez, gostaria de partilhar duas ideias que me fizeram pensar. Em primeiro lugar, o convite a combater a indiferença pelo outro. Na realidade, não é necessário ser um «grande egoísta» para assumir a cultura da indiferença. Basta adotar a atitude defensiva de não permitir que mais gente entre na nossa vida, no nosso tempo, na nossa cabeça. Provavelmente não temos sequer a capacidade de solucionar um problema de uma pessoa, quanto mais os problemas dos muitos que se cruzam na nossa vida. Sim, é compreensível, mas esse modo de defender-se vai gerando anticorpos contra todos os potenciais complicadores da nossa existência. E assim, transformamos a nossa vida num bunker onde vivemos com os amigos. O resto é sempre um perigo que sucede «lá fora». O Papa convida-nos a deixar entrar o outro na esfera da nossa existência (n.º 35): «No fim, oxalá já não existam “os outros”, mas apenas um “nós”». Muito exigentes as palavras sobre o acolhimento dos imigrantes que vale a pena ler devagar (n.os 37-41).

Em segundo lugar, não deixo de dar voltas a outro elemento que condiciona o nosso amor ao próximo. É clássica a frase: odiar o pecado mas perdoar o pecador. Assim deve ser. Mas… e quando o convívio ou a excessiva proximidade com o prevaricador pode ser interpretado como apoio ao pecado? Afinal, S. Paulo, por exemplo, exortou a que se admitisse a possibilidade de expulsar o pecador incestuoso da comunidade. Onde está, pois, a fronteira? Se me torno amigo de um traficante de droga não estarei a pactuar ou retirar força aos conselhos que lhe der para abandonar essa atividade? Podem suceder os dois extremos, ambos contra o verdadeiro amor ao outro: aproximar-me do prevaricador e retirar importância à prevaricação, ou ter uma obsessão tão grande por diagnosticar e afastar o mal que sinta a necessidade de extraditar definitivamente o malvado para longe. Talvez às vezes tenha de ser assim, mas no nosso coração essa não pode ser a última palavra. Pelo menos deve existir o desejo de que um dia ele se arrependa e regresse «a casa». Recordemos as palavras de Jesus: «Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem». Uma concretização social deste desejo é a repugnância pela pena de morte e pela prisão perpétua que negam a esperança ao condenado. Aconselho a leitura dos n.os 263-270, especialmente o n.º 265 com a explicação de Santo Agostinho contra a pena de morte.

Convido a que meditemos nestes dois grandes perigos para a fraternidade: a indiferença e a definitiva diabolização do outro. E deixemos que Deus nos mude ao som dos ensinamentos do Papa.

Pe. João Paulo Pimentel